Borboletas no estômago

Os preparativos para uma viagem estão muito além de encontrar a mala perfeita, entender as taxas de câmbio, conseguir um cartão de crédito e descobrir como fazer o seu celular funcionar em outro país. Os preparativos todos apresentam brindes estranhos que são difíceis de explicar e descrever.

No ar, uma ansiedade latente de dimensões imensuráveis se faz presente e junto a ela um turbilhão de sensações e sentimentos difusos tomam forma e impregnam cada etapa a ser percorrida para a realização da viagem. Eu tenho listado: expectativa, apreensão, alegria, receio, uma vontade tremenda de fazer planos, coragem e algo que a grosso modo é chamado de "borboletas no estômago".

Nunca gostei de borboletas, por mais que todos mundo tentasse me convencer do quão belas e especiais elas são, para mim são insetos tão asquerosos quanto baratas o são para algumas pessoas. Atualmente, gosto menos ainda da idéia de ter uma quantidade bem razoável delas em meu estômago, mesmo que seja no sentido conotativo, mas de uma certa forma, isso me motivou a pensar logicamente sobre o assunto e descobrir coisas que para mim são novidades completas, embora para outros soe como algo comum e esperado.

Pessoas se casam, abrem empresas, têm filhos, fazem plástica. Planejam e acumulam sonhos que se transformam com as necessidades aparentes, são esquecidos com o tempo ou simplesmente se realizam.

O homem vive em função dos sonhos que guarda em si, sejam metas, objetivos, projetos, necessidades, oportunidades ou quaisquer outros nomes que costumam-se inventar, para mim são todos sonhos no sentido literal da palavra.

Algumas pessoas constroem estratégias, outras pessoas somente esperam e há outras ainda que viajam. Eu começo a compreender que, assim como meu pai, eu me encaixo nesse número (nem um pouco reduzido) de pessoas que viajam.

Desde que me conheço por gente eu viajo entre uma idéia ou outra, transito entre meus sonhos como se avançasse e rebobinasse um filme, uma fita de vídeo para ser mais exata. Dessa forma, eu conheci muitos lugares ocultos em mim e até mesmo em outras pessoas. Já faz alguns dias, desde que surgiram as tais das borboletas no estômago, eu já não tenho mais viajado incógnita entre esses pensamentos íntimos e desejos irreprimíveis, curiosidades profundas e filosofias vãs (na minha concepção), eu tenho viajado para além de mim e de tudo a minha volta, de forma consciente e concreta. E o que é mais vertiginoso - estou prestes a viajar de verdade para todos os lugares onde a viagem costumava ser apenas sensorial. A constatação dessa situação causa reclusão e melancolia, depois rispidez e agressividade e só então possibilita a descoberta de real motivo para todas as confusões extra-interiores.

Aqui estou eu: a um passo de realizar um sonho. Eis a divagação mais profunda que encontrei em mim: o que fazer após realizar um sonho?

 A falta de resposta para essa pergunta é o elemento causador de todas as ditas borboletas inquilinas. A falta dessa resposta causa temor e determinação. O desconhecido confunde e dá medo.

É preciso cara e também é preciso coração, ambos livres de preconceitos e inseguranças que o tamanho do mundo propõe. Acima de tudo é preciso fé. Demorei muitos anos imaginando o significado e a aplicação dessa palavra e só agora entendo que fé não é uma palavra, não possui significado e não tem aplicação.

A fé é na verdade, o sonho mais verdadeiro que habita em nós e poder contemplá-lo com olhos, mãos, tênis e ouvidos é algo inquietante e assustador.

Pensando dessa forma, a cada minuto as borboletas no meu estômago parecem aumentar em número e proporção, mas elas não são mais asquerosas como eram antes, agora elas são as melhores companheiras que eu poderia ter. Começo a me lembrar que não é a primeira vez que elas me visitam, apesar de tantas coisas boas apagarem essa sensação de minha memória.
O que é maravilhoso nisso tudo é que, mesmo não tendo a resposta para minha pergunta, acabo de entender que as borboletas somente vão embora quando estamos tão preenchidos por lembranças, experiencias e saudades que não faz mais sentido mantê-las escondidas aqui.

Não há nada mais gratificante do que isso: possibilidades.