Há um ano atrás eu percorria a cidade luz e dentro de mim
crescia a estranha sensação de pertencimento, de voltar para casa.
Tudo naquela cidade pareceu-me belo e poético, uma novidade
revisitada como a contemplação de um antigo álbum de fotografias.
Os velhos trens e metrôs, as muitas escadas, as construções
antigas, as calçadas largas, o transito intenso, o excesso de turistas, o vento
seco e cortante, minhas mãos rachadas, o frio, a chuva incessante, as filas nos
museus e galerias, as pessoas nos cafés, os pic nics na grama, a galanteria
formal dos franceses, os muitos crepes e croissants, as floriculturas, as
livrarias a margem do Sena, as vielas de Montmartre cheias de suas escadarias,
casinhas, pequenos restaurantes com tocadores de piano, os aquecedores de rua,
artistas, pintores, músicos, atores, o altar de Santa Tereza na Sacre Coeur,
minha vela queimando até o final, a Torre Eiffel bem pequena, ao longe, os
bazares e ateliês, pequenas lembranças, os acordeonistas, as vitrines das
lojas, o caminho da revolução, meus pés ardendo em bolhas de tanto andar,
passeios de barteau mouche, as luzes...
Ah! As luzes... Centenas, milhares delas
piscando para mim do alto da Torre Eiffel, piscando em nome de todos que ali
nasceram, que ali viveram, que por ali passaram, que ali encontraram fragmentos
de suas historias, ladrilhos de um passado desconhecido..
.Joana Darc, Rimbau,
Renoir, Goddard, Voltaire, Delacroix, Piaf, Kardec, Toulouse Lautrec...
Velhos relógios de bolso,
uma infinidade de chapéus, pequenas mercearias de bairro, pobres mendigos
abrigados com seus cães em marquises, os sinos de Notre Dame, perder-se na
imensidão de Pere Lachaise, como quem visita velhos amigos... A cura para uma
saudade constante que atormenta corações e alma sem nem ao menos se
pronunciar... O preenchimento para o vazio que mora dentro de mim.
Um descanso
desse entre-lugar onde me escondo, onde existo, esse eixo ausente...
Ah! E a
musica... A musica que nunca termina, que nunca para, que vibra em minhas
entranhas e se perde no tempo... Se perde na imensidão dessa saudade eterna,
desse sintoma, desse sonho... Dessa lembrança que eu já nem sei hoje se um dia
foi minha, se é de todos, ou se não é de ninguém...
Je t'aime, Paris!